O cenário do terror e suspense brasileiro vem crescendo, gêneros estes que antes não tinham tanto espaço para se desenvolver, agora parecem apostar em histórias diversificadas para atrair a parcela da população apaixonada por esses gêneros. Depois de títulos como As Boas Maneiras (2017), Morto Não Fala (2018) e até mesmo o mais recente Uma Família Feliz (2024), Abraço de Mãe apresenta algo mais novo nesse cenário: o horror cósmico.
Com direção do argentino Cristian Ponce (História do Oculto) e roteiro assinado pelo mesmo em parceria com os brasileiros André Pereira e Gabriela Capello, Abraço de Mãe é ambientada em uma tempestade avassaladora que aconteceu em 1996 no Rio de Janeiro, um acontecimento real que causou muitos deslizamentos e alagamentos deixando 30 mil desabrigados e ocasionando a morte de 200 pessoas. O medo, o desamparo, o pavor e a impotência diante da vida e aquilo que nos cerca são sentimentos expressos em casos como esse e isso foi muito bem utilizado para ambientar o longa. Além de ser emoções que são trabalhadas no horror cósmico, fonte da qual Abraço de Mãe quer beber.
Na história, Ana (Marjorie Estiano) juntamente com a sua equipe de bombeiros enfrenta uma luta desesperadora para evacuar um asilo em risco de desabamento. No entanto, os misteriosos residentes do local tem planos sinistros e perturbadores. Conforme a se intensifica, Ana se vê confrontada não apenas com o perigo iminente, mas também com traumas profundos de seu passado. À medida que a noite avança e os eventos se desenrolam, Ana descobre que o verdadeiro horror pode estar mais próximo do que imaginava.
O horror cósmico tem por preceito o fundamento de que as leis, os interesses e emoções humanas não possuem valor ou significância na vastidão do cosmos, segundo o próprio Lovecraft escreveu a Farnsworth Wright em julho de 1927. É o uso do medo do desconhecido, daquilo que foge a nossa compreensão e da qual não temos poder para lidar. Todos esses elementos estão presentes em Abraço de Mãe e são muito bem utilizados como recursos para evocar suspense, uma atmosfera que mesmo apesar de ser grandiosa e fora do nosso controle, se apresenta também como sufocante. O trabalho de direção é impecável para evocar em seus enquadramentos muito próximos ao personagem essa sensação, enquanto nos mostra que o que há no universo é muito maior do que temos consciência. Além de abusar da iluminação e da falta dela – o jogo de luz e sombra – em momentos estratégicos, a fim de causar à espreita do perigo é muito bem trabalhada e gera o efeito esperado. O longa não abusa de jumpscares para assustar a quem assiste e isso na proposta da trama e todo seu desenvolvimento revela-se uma escolha assertiva.
Enquanto também nos apresenta os traumas e dores que Ana carrega consigo, os quais ainda precisa se curar. O filme utiliza além do horror cósmico, o terror psicológico, elementos sobrenaturais e a religião, em forma de culto para nos convidar a olhar para dentro de si e para fora também. No início do longa, a protagonista se interessa por um brinquedo no parque, onde a entrada é feita pela boca da boneca para o seu interior. Revelando lá dentro os seus órgãos e uma gestação. Algo que parece aterrador e dá palco para a trama se desenvolver. Nessa primeira cena há um convite para não somente Ana, mas todos nós olharmos para dentro, para o interior, algo que também temos pouco entendimento. O horror cósmico, por incrível que pareça já se inicia aqui. Seja por não entendermos exatamente como funcionamos, quanto por não entendermos exatamente o que significa gerar a vida. Sendo essa, algo que passamos a vida inteira tentando entender e da qual pouco sabemos. O ser humano nasce tendo o desconhecido ao seu lado. E o medo de não compreender e ter a consciência de que não sabemos de tudo mexe com nosso psicológico o tempo inteiro. O uso de ceita em Abraço de Mãe homenageia o horror cósmico, uma vez que a entidade Cthulhu do conto escrito por Lovecraft precisa de seguidores para o invocar. De forma semelhante no longa vemos um culto que se esforça para invocar uma entidade desconhecida.

O horror cósmico e o terror psicológico combinados no roteiro nos mostra que há o medo do que se passa através do cordão umbilical, o medo de nós mesmos e do que podemos ser ainda que diante de um universo vasto e desconhecido. Abraço de Mãe inova ao mesmo tempo que honra os elementos do horror.
Ana precisa lidar com seus próprios traumas e demônios, enquanto tenta entender o que está acontecendo a sua volta, entender os mistérios que a cercam durante toda sua vida. Mesmo a chuva que parece algo tão cotidiano e tão presente em diversos momentos nos vemos impotentes diante de desastres naturais. Não temos controle e força sobre a natureza, sobre o universo e seus mistérios. Abraço de Mãe tenta dar a oportunidade para Ana olhar para si e as suas rachaduras para tentar salvar a si. A figura de uma menina, Lia (Maria Volpe), da qual Ana tenta desesperadamente salvar, mostra o quanto o ser humano tem a capacidade de se identificar e com isso se confrontar, se entender e se curar. É com toda essa carga emocional, com todos os seus dilemas e dores que o filme apresenta o bom uso do terror psicológico.
O simbolismo tão presente na obra, se mostra com um útero e um cordão umbilical, com tentáculos que precisam ser cortados tal qual a ligação entre mãe e filha. É um convite para Ana se libertar. O espinho no seu pé é um lembrete de que há dores que precisam ser superadas, que não adianta fugir, há sempre fantasmas que voltam para perseguir. É olhando para o outro – Lia – que Ana enxerga em si um instinto que não conhecia, o materno e do qual foi privada devido a relação que tinha com sua mãe.Todo o desejo de Ana pelo conforto que o abraço de mãe pode ocasionar, se simboliza, na conclusão da obra, pelo abraço oferecido a outro.
Abraço de Mãe peca apenas em não fazer jus às camadas impostas durante toda a trama, seu final acaba faltando coesão e não conversa com todo o desenvolvimento da obra. A escolha de não explicar, nem que seja um pouco, ao seu espectador a mitologia e deixando a cargo dele a interpretação pode ser algo que não seja bem recebida por todos. O maior problema, no entanto, foi não desenvolver bem todos os tipos de terror apresentados e talvez a melhor solução seria focar em uma linha definida para contar a sua história. Porém, Abraço de Mãe acaba sendo um suspiro e uma promessa de que o cinema brasileiro tem espaço para explorar novas histórias de horror e todo o seu universo vasto de formas de contar e explorar nossos medos.
Abraço de Mãe está disponível na Netflix.
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Fundadora e Editora-Chefe. Virginiana e defensora da terra.
Um pouco Lorelai demais, não só na quantidade exagerada de café, mas também na capacidade de falar muito em pouco tempo. Whovian apaixonada. É possível me encontrar, entre um salto temporal e outro, em Doomsday ou em qualquer biblioteca ou cinema do mundo.
MEU DEUS, DIOVANA, eu não tinha nem OUVIDO FALAR nesse filme, como é possível? Tô amando como os serviços de streaming gringos têm apostado em produções brasileiras, ainda mais se ambientando em um acontecimento que faz parte da história do país… Não assisto muito filmes de terror, apesar de gostar quando eles têm esse viés psicológico, mas adoro a Marjorie Estiano e fiquei tentada MESMO a ver esse, vou adicionar à lista!