Não sei se posso me considerar uma super fã de Jane Austen como as protagonistas de AustenApp, mas posso afirmar categoricamente o quanto Jane Austen é uma escritora incrível e que merece todo o prestígio que tem, sendo assim, acredito que a obra de Katherine Salles ressalta e homenageia o talento dessa grande autora. Inclusive, enquanto lia os dez capítulos para fazer as primeiras impressões, pude perceber o quanto a atmosfera criada pela autora mescla tanto o século XIX quanto o século XXI e faz isso magistralmente, no entanto, o que mais me impressionou como leitora é o tanto que AustenApp consegue nos remeter a escrita de Jane Austen, o quanto conseguimos lembrar da sensação de ler Orgulho e Preconceito que tem aquela leitura leve e ao mesmo tempo subversiva.
Katherine prestigia as obras de Austen da melhor maneira possível, escrevendo, digo isso porque em uma passagem do livro que me acompanha até hoje é dito: “Os homens tomaram para si todas as vantagens sobre nós ao poder escrever sua própria história” e é escrevendo que tanto Jane Austen, quanto Katherine e todas as mulheres que escrevem tomam para si essa vantagem que nos foi tirada, conquistamos esse direito de escrever nossas próprias histórias, de ser representadas dentro das narrativas. Jane Austen é um grande marco disso e Katherine segue o mesmo caminho.
A obra é sobre empoderamento feminino e pude perceber isso ao longo dos dez capítulos, pois temos uma amizade entre mulheres que não almeja uma disputa entre elas, mas que se constrói e se mantém na base do companheirismo. Além disso, temos a representação de duas protagonistas com personalidades diferentes, mas ao mesmo tempo tão reais, tão bem construídas, que facilmente poderiam ser eu e você. Tanto Bel, quanto Catá – apelido de Ana Catarina – tem problemas reais e são falhas tanto quanto qualquer uma de nós.
Nesses primeiros capítulos já conhecemos e nos aproximamos das meninas, sentimos quase que uma conexão de amizade se formando entre nós, elas e nós, leitores. A história traz grandes questionamentos, o que nos leva a reflexões maiores ainda, e tudo isso feito de uma maneira leve, descontraída e bem-humorada, quase como tomar um sopro de verdade na cara. Bel é uma das personagens que mais vai nos acrescentar algo, sentimos que podemos crescer com ela, pois ela é toda consciente. Todos os capítulos são intercalados em primeira pessoa entre as duas personagens, então podemos visivelmente perceber a diferença de personalidade, nisso percebemos também o qual a visão de cada uma sobre suas vidas, sobre seus relacionamentos e sobre si mesmas.
Confesso que da minha parte aconteceu mais identificação com a Bel, afinal, ela “Odiava deixar as coisas pela metade e odiava ainda mais se sentir pressionada a fazer algo” é nesse quesito que cito que as personagens são tão reais quanto nós, afinal tem mais cara de gente como a gente do que isso?
Toda vez que lemos os capítulos da Catá temos vislumbres dos fragmentos das fanfics que ela escreve e temos ainda mais vontade de ver o universo da Katherine se expandir, quem sabe ela não libera uns spin-offs para nós, adoraria ler.
Como citado anteriormente, a história aborda assuntos tanto do passado, quanto atuais, afinal machismo não é algo que passou a existir em nosso século e também nem sequer deixou de existir nele, ainda batemos de cara com ele todos os dias, nisso a autora é brilhante, pois mescla as duas épocas e cria uma conexão entre os elementos delas. Em um diálogo do livro encontramos essa reflexão:
“ – Me irrita que nesses livros que você lê não tenha mulheres gordinhas. Será mesmo que há duzentos todos eram magros mesmo comendo bacon no café da manhã?
– Eu concordava com ela. Há dois séculos não se falava em representatividade.”
Existe uma problemática nessa passagem, afinal nem toda pessoa gorda é assim por se alimentar mal, por comer bacon todo dia de manhã, mas realmente será que não existe protagonistas gordas porque há séculos atrás não existia, ou simplesmente não tem porque existe toda uma pressão em cima dos corpos das mulheres e ser gorda é ser vista como algo feio? Porque esse me parece o caminho escolhido ao escolher essa narrativa, de certa forma, nessa passagem percebemos também algo muito sutil, que comentamos de uma passagem anterior, ao não se escrever e contar histórias de protagonistas gordas, de mulheres das mais diversas, estamos apagando sua existência e daí reside a importância de não só cobrar por representatividade, mas por produzirmos ela.
Enfim, além de todas as referências, sob toda a construção do enredo temos, na verdade, além de uma história apenas para divertir ou entreter – não que isso seja um problema – mas, é uma surpresa pegar um livro, uma obra de qualquer arte e descobrir que há muito mais além do que a superfície mostrava. Não li a obra toda, mas apenas esses dez capítulos, me levaram a repensar muitas coisas, mesmo que a obra apresente algumas falhas como a forma de apresentar suas ideias, como a descrita acima. No entanto, não devemos negar a sua importância, precisamos escrever para acertar e também para corrigir as falhas, mas nunca devemos deixar nossa história ser contada por outros. AustenApp é uma obra que me pegou de surpresa, que foi leve, que trouxe boas primeiras impressões e mal posso esperar para dar continuidade a história dessas duas incríveis protagonistas que hoje deixaram de ser meras personagens e entraram para meu ciclo de amizade.
Agradeço a autora Katherine Salles por conceder o material para leitura.
Lembrem-se de prestigiar autores e principalmente autoras nacionais e até a próxima tagarelice.
Fundadora e Editora-Chefe. Virginiana e defensora da terra.
Um pouco Lorelai demais, não só na quantidade exagerada de café, mas também na capacidade de falar muito em pouco tempo. Whovian apaixonada. É possível me encontrar, entre um salto temporal e outro, em Doomsday ou em qualquer biblioteca ou cinema do mundo.