Doutor Sono: A dificuldade em enfrentar o passado e o perigo do uso às drogas

Mais uma adaptação de Stephen King para as telonas, dessa vez o escolhido é Doutor Sono, uma continuação do clássico “O Iluminado” de 1980 (Stanley Kubrick). A obra vai retratar Dan ”Danny” Torrance tentando escapar dos demônios de seu passado e superar sua estadia no Hotel Overlock. Primeiro, sua forma de fuga é encontrada em bebidas e drogas, isso é claramente visto logo no começo do longa e vai se tornar algo predominante na história.

Acredito que mais do que uma história sobre encarar o passado, sobre poderes ou qualquer outra coisa, Doutor Sono é sobre o entorpecimento através de drogas, seja ela o álcool ou a cocaína. Não é novidade para ninguém que Stephen King escreveu muitos de seus livros sob o efeito de drogas. Inclusive, o autor fala abertamente sobre o assunto em seu livro “Sobre a Escrita”. E é por isso que Doutor Sono é uma obra que retrata tão profundamente essa questão, King faz analogias ao uso de substâncias químicas e o álcool é um dos principais, até porque é um dos mais fácil de se obter.

Logo no início do filme, temos Dan acordando após uma noite de farra, ao lado de uma mulher nua, ao perambular pela casa dela, decide pegar o dinheiro de sua carteira e é questionado por outro Iluminado (que consegue se comunicar e se comunica com ele por anos através da telepatia) e Dan diz que a mulher pegou o dinheiro dele todo provavelmente para usar cocaína.

E também aparece um filho, logo em seguida, convencido Dan devolve o dinheiro e leva a criança ao quarto da mãe atirada sobre a cama. Isso me levou a questionar se a mulher realmente ainda estivesse viva, ou talvez tenha morrido logo depois, pois acredite essa questão é trazida à tona depois mais à frente do longa.

As drogas causam morte e a morte é muito retratada nessa história; além de que as drogas levam as pessoas e seus corpos, suas famílias às ruínas e a violência do filme, ao meu ver, está justamente nesse quesito. Tanto é que em uma das cenas mais brutais de Doutor Sono, um ritual para lá de desconcertante, vemos o grupo, ou melhor, a seita Nó absorvendo a fumaça, o brilho, de uma criança, com direito a muita violência e muita dor. Isso nos leva a refletir sobre o quanto esse grupo também é uma analogia ao uso desenfreado das drogas, eles não existem sem ela, o que obviamente se revela um vício, há morte para obter, há obsessão, há desespero e o prazer que eles sentem em consumi-lo é abertamente uma relação entre vício e viciado.

E Stephen King mais do que ninguém entende sobre os problemas em ser viciado, o esforço para manter o autocontrole diante de uma bebida, diante da cocaína, o quanto é ladeira para baixo perceber que se fez coisas sem estar sequer consciente e a ruína que isso traz. É em Dan, nosso protagonista, que enxergamos essa grande luta, ele batalha para se manter sóbrio, mesmo quando quer fugir de seus traumas, de seus próprios demônios particulares. Há, inclusive, uma cena incrivelmente real em que Dan passa por uma enorme perda, pega uma garrafa e luta com todas as forças para não colocar um gole sequer em sua boca, a dificuldade em se manter afastado e o quanto ele sabia o que apenas uma gota poderia causar nos revela o perigo do vício. E essa cena, especialmente, temos de parabenizar Mike Flanagan – diretor e roteirista da obra – por a reproduzir com tanta intensidade e significado. Principalmente, porque “O Iluminado” é bastante criticado por não ter dado a devida atenção ao alcoolismo do Jack, pai de Danny que tem esse mesmo legado do pai.

Doutor Sono chega a ser um enorme alerta sobre o perigo que é álcool e substâncias ilícitas vindo propriamente de um ex-viciado. É nas relações de amizade, não na família, pois Dan a perdeu, mas nos amigos que fez ao longo de sua trajetória, principalmente – nome do amigo – e depois em Abra que o procura para ajudar a destruir o Nó que ele encontra forças para se manter sóbrio, para se manter são. E é encarando seus fantasmas que consegue se manter seguindo em frente e vencendo essa batalha que vai ser eterna. Então, sim, mais do que qualquer outro assunto, Doutor Sono é sobre drogas, recuperação, violência, degradação. No entanto, traz uma mensagem de esperança ao mesmo tempo que emite um alerta, é possível se manter sóbrio, mas para isso é necessário encontrar ajuda e ter por perto aqueles que a gente ama.

Antes de encerrar, quero dizer algumas coisas sobre o filme de uma forma mais geral, Doutor Sono homenageia muito a obra de Kubrick e se mantém mais fiel a obra de Stephen King, sem deixar de explorar sua própria visão. No entanto, senti a falta de uma conexão mais forte entre a continuação da primeira obra, se “O Iluminado” ficamos com sensação de aleatoriedade em alguns acontecimentos, em Doutor Sono temos essa mesma sensação e ainda estranhamento com relação ao que a obra almeja ser. Veja bem, não é bem um terror, é mais um filme de ação, de algumas aventuras sobrenaturais, com alguns toques de elementos de terror, mas não é bem abertamente um thriller, como O Iluminado e veja bem, ele tem seus defeitos.

Há a falta de urgência, de tensão, de ansiedade, de medo seja ele qual for. Mas, também podemos elogiar a estética incrivelmente bonita e bem desenvolvida do filme, enquanto compreendemos que há uma ideia original por trás da narrativa.

Enfim, Doutor Sono é uma obra que vai agradar a muitos, mas também decepcionar alguns, principalmente aqueles que buscam na obra mais terror do que realmente ela tem para oferecer. No entanto, se apegue a mensagem extremamente necessária do filme. É uma discussão que todos precisamos ter.

Tagarelem conosco: Aos que assistiram, vocês enxergaram as analogias às drogas?

Até a próxima tagarelice!

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