O que parece ao primeiro momento um filme sem profundidade, se revela e se destaca como uma obra capaz de dar aos seus personagens uma complexidade enorme. Heather, que em português foi traduzido como Atração Mortal, é um clássico cult que aborda tanto a adolescência quanto a sociedade num geral, nos trazendo representações a respeito dela.
A atmosfera e por vezes a trama nos lembra Meninas Malvadas, principalmente se assistimos a esse primeiro, por ser anterior, Heathers muito influenciou o clássico cult da nossa geração. Uma curiosidade interessante é que o roteirista de Heathers é irmão do diretor de Meninas Malvadas. Mas, esse não foi o único filme influenciado pelo filme de 1988, As Patricinhas de Beverly Hills também bebeu da fonte dessa fonte. Isso porque Heathers foi um dos primeiros filmes a colocar um grupo de adolescentes (garotas) como figuras de poder escolar, ou seja, a ocupação que muitos atletas ocupam nas escolas dos Estados Unidos.
O longa dirigido por Michael Lehmann, analisa a sociedade uma forma bem interessante, através de seus personagens, cada um deles assim como a estrutura das escola representa algo da forma com que a sociedade funciona. A escola por toda sua hierarquização pode ser vista como uma das responsáveis por existir essa distribuição de poder entre os alunos, entre os grupos. Temos os populares – atletas e as Heathers -, temos os nerds caracteristicamente são vistos como perdedores, temos Martha que é uma das personagens que mais sofrem bullying, por seu peso, por sua aparência. Tudo o que uma pessoa fora do padrão passa devido a opressão feita pela sociedade, representada no filme pelo âmbito escolar. Como disse J.D, em cenas finais: “porque a escola era a sociedade”.
O colégio mantém uma estrutura hierarquizada similar a da sociedade, pois o ambiente escolar tem por fim interesse em preparar o aluno para ela. O que existe uma forte crítica até hoje por ter esse formato, inclusive preparando e selecionando os indivíduos para o mercado de trabalho, fazendo em sua grande parte uma manutenção da desigualdade social e garantindo que sua estrutura se mantenha. Se tem disputa entre grupos de pessoas porque fora do ambiente escolar, será encontrada a mesma atividade. A opressão estética ocorre dentro e fora da escola, as separações por status, dinheiro e beleza ocorrem para fora das salas escolares. Não tem nada novo sob o sol, tanto é que muitos adultos pais dos adolescentes alunos ocuparam a mesma posição que seus filhos. Uma coisa vai mantendo a outra como um ciclo, o sujeito faz a sociedade e a sociedade faz o sujeito. A escola faz o aluno, o aluno faz a escola. É uma relação mútua podendo ser positiva ou negativa, mas, sendo nesse caso, bem negativa.
E é no meio desse contexto todo que, por exemplo, possamos pensar sobre suicídio como um sintoma coletivo de uma sociedade doente, assim como depressão e transtornos mentais, se naquela época, que as coisas estavam mais brandas nesse sentido, pouco conhecido, hoje em dia com o avanço cada vez maior das tecnologias e suas alterações no nosso modo de vida, temos vivido freneticamente dentro dessa estrutura social capitalista e tecnologia que nos leva a ter maiores estresses, a grande maioria vivendo em péssima condições para manter aqueles que vivem o luxo, tudo isso de certa forma contribui para que muitos percam a esperança, a motivação, o sentido da vida. Enxergando no suicídio sua única alternativa. Não é em todos os casos, mas há certa ligação com a questão social também. Até mesmo porque a estrutura da nossa sociedade foi feita para manter esse ciclo de desigualdades. O filme não retrata exatamente isso, mas conseguimos captar e trazer para o nosso cotidiano, pois a obra, sobretudo se constrói em cima dele. A opressão não é uma só, é diversas e para os adolescente a feita em cima da imagem é muito maior, pois é aquele período em que estamos tentando se descobrir e se enxergar no mundo e querendo ou não somos seres sociáveis, queremos nos enturmar, às vezes o preço pago é grande. Tem-se poder social, prestígio ao se estar em determinado grupo e muitas vezes nos colocamos na posição de negar tudo o que somos para podermos ser aceitos. Esse é basicamente o retrato tanto do filme e de seus personagens quanto de nós e da sociedade.
O longa nos alerta que fatores da patologia social precisam ser encarados e solucioná-los. Isso diz respeito a todos, com relação ao filme, com pais mais presentes e adolescentes mais empáticos, pois só vemos crueldade e banalização da violência para os mesmos. Em todos esses aspectos, Heathers conseguiu abordar a temática de suicídio como um problema também social de forma mais inteligente e responsável, apesar do seu humor ácido e sarcástico, do que 13 Reasons Why. Além disso, a forma com que os responsáveis pela âmbito escolar e a mídia tem, sim, responsabilidade da forma com que tratar e encaram a questão. E, o perigo da romantização em cima do ato.
“Esses programas estão comendo suicídio de colher, eles estão fazendo parecer como se fosse algo legal de se fazer”
O niilismo é bem presente na obra, concentrado na figura de J.D – interpretado pelo incrível e talentoso Christian Slater, que também deu vida a Mr. Robot -, ele é o caos. A representação em diversos momentos do desejo interno, subconsciente de Veronica (A maravilhosa Winona Ryder, também presente em Stranger Things). Ele aparece em sua janela justamente no momento em que ela escreve em seu diário a vontade de matar Heather Chandler. No entanto, ele busca tirar vontade disso nela em todos os momentos e a amando somente quando ela faz o que ele quer, caracterizando um relacionamento bem abusivo, do qual ela consegue ao longo do filme se desvincular e no final se sobressair, além de o combater, o enfrentar. Com uma força que vem dela mesma, em ter se descoberto no meio disso tudo, tendo enxergado tudo o que representa a sociedade tanto é que no final ela se junta a Martha a única que talvez compreenda o que é isso, pois ela sofre muito.
J.D tem essa visão cética da realidade, além disso descobrimos o desejo autodestrutivo, que enxergava em cada morte uma forma de redenção, como que se para resolver os problemas da sociedade era preciso morrer. Afinal, segundo o próprio:
“Vamos encarar, tá bem? O único lugar onde tipos sociais diferentes podem genuinamente se dar bem é no céu.”
Veronica, em determinado momento, em um diálogo com uma das Heathers diz que a piada dela sobre suicídio relacionado a superioridade não tem graça, isso nos diz muito sobre a própria que tem toda uma comicidade do trágico, na maioria das vezes, quer nos dizer o quão errado é dar risada daquelas coisas, pois certamente só há desgraça, maldade, piadas preconceituosas de pessoas que se corromperam e são corruptores, de que não é humano gargalhar com assuntos tão sérios. É justamente quando ela vem se dando conta da proporção de suas atitudes e do quão errado foi ela se deixar levar na “brincadeira” de forjar os suicídios. Que desencadeou um monte de reações diversas e perigosas. Afinal, bullying, preconceito e suicídio são coisas bem sérias.
Enfim, Heather é um clássico por abordar tão bem temáticas sérias e que precisam ser discutidas, trazendo reflexões e questionamentos mesmo depois de 30 anos de lançamento. Isso é ser atemporal. Isso é o que um clássico representa. Por se mostrar profundo e complexo para seu público alvo. Por sobretudo conseguir ser mais do que qualquer filme sobre adolescente, sendo, inclusive, importante para os adolescentes.
A obra é, sem sombras de dúvidas, icônica prova disso é a grande influência que tem sobre outros filmes do gênero, além de ser bastante referenciado em outras obras como na terceira temporada de RuPaul’s Drag Race e por, inclusive, ser um dos filmes preferidos de um escritor tão aclamado como Chuck Palahniuk.
Vale lembrar que Heather possui um musical denominado Heathers: The Musical e atualmente uma série de mesmo nome.
Tagarelem conosco: Vocês estão gostando da coluna? Que filmes querem ver por aqui e mais importante o que acharam da matéria?
Até a próxima tagarelice e lembrem-se de não ser Heather!
Fundadora e Editora-Chefe. Virginiana e defensora da terra.
Um pouco Lorelai demais, não só na quantidade exagerada de café, mas também na capacidade de falar muito em pouco tempo. Whovian apaixonada. É possível me encontrar, entre um salto temporal e outro, em Doomsday ou em qualquer biblioteca ou cinema do mundo.