Para’Í conta a história de uma menina Guarani, Pará, que encontra um milho colorido e diferente chamado avaxi para’í, ao se deparar com o cereal, a personagem entra em uma busca por compreender sua própria identidade, além de tentar se entender no mundo. É com essa temática que o longa se propõe a contar uma história bem importante. Afinal, o cinema tem esse poder e através dele podemos conhecer outras realidades.
Com a direção extremamente cuidadosa de Vinicius Toro, somos apresentados ao processo de amadurecimento da protagonista, Para é sobretudo uma criança desbravando o mundo, então acompanhamos em diversos momentos seu dia a dia, sua ida a escola, as brincadeiras com sua amiga, acompanhamos também suas dificuldades, principalmente na escola. Todas as questões apresentadas foram bem estudadas e levantam questionamentos necessários. Em todo momento, presenciamos esse estranhamento que ela tem em estar na cidade e acompanhamos sua enorme curiosidade. Mas, é somente quando ela encontra o avaxi para’í que afloram ainda mais os questionamentos sobre sua identidade e sua cultura.
Cresce em Pará o desejo de plantar, então a protagonista tenta incessantemente fazer o milho encontrado vingar, é nesse desejo de cultivo que ela tenta se conectar com suas próprias raízes. Em determinado ponto, ela se frustra por não estar dando certo e descobre que o solo de onde mora não é propício para o cultivo do cereal. Mas, ela não desiste e resolve seguir uma das idas do pai a igreja, enquanto estava lá ouvindo o pastor falar sobre milagre, Pará decide levantar a mão quando o líder da igreja questiona se teria alguém em busca de um milagre e de uma forma que somente uma criança conseguiria ela explica seu desejo, demonstrando a importância do avaxi para ela.
O próprio conflito de culturas é presente na vida dela, pois seu pai é cristão, porém sua mãe segue as tradições religiosas dos Guarani e sente orgulho disso. Seu avô está ativamente envolvido em encontrar uma terra e coletivamente reerguer a aldeia. No entanto, seu pai parece querer o distanciamento, enquanto Pará se alinha mais à vontade que o seu avô tem. Então, como é normal a toda criança, Pará busca se reconhecer entre essas duas realidades que são bem distintas uma da outra. A vontade de se conectar com a natureza sempre esteve presente com a personagem, em seu cotidiano e é bonito ver esse respeito pela terra, pelos seres vivos e seus processos.
Por isso, o avaxi é tão simbólico a ela, pois representa, entre diversas coisas, a resistência em manter sua tradição e sua cultura. Representa toda a importância da cultura em nossas vidas, é de uma sensibilidade incrível trazer aos espectadores essa noção através do olhar de uma criança. E nos levar a refletir sobre nosso impacto nas culturas que não fazem parte do nosso cotidiano. É como diz, em uma cena, uma autoridade indígina em protesto na televisão que nós não damos valor à terra, mas para eles as suas terras são para serem cuidadas como uma Mãe e que ela não poderia ser vendida, pois não se vende nossa Mãe. Para’Í cumpre um papel dentro da arte importantíssima que é nos aproximar de realidades e culturas, pois elas são diversas e nos fazem refletir sobre o impacto negativo que temos, a falta de responsabilidade e respeito com o outro. Além de questionar também nossa sociedade que enxerga tudo como produto a ser lucrado e esquece que nem tudo é mercadoria e tem coisas que dinheiro realmente não compra.
O elenco é composto por pessoas que vivem na própria Terra Indígena Jaguará, o que proporcionou um enriquecimento ainda maior para a obra, é através desse trabalho em conjunto com a comunidade que a história foi tomando sua forma, sendo alterada a fim de ser representativa e fiel a realidade. Sendo assim, muito dos atores foram incorporados em seus personagens, como Monique Ramos Ara Poty Matos que assim como Pará é muito ligada a natureza. Para’Í é um grande exemplo de uma obra feita com cuidado e respeito, além de ter sido feita com muito estudo, escutando quem está inserido nessa realidade e dando espaço para um trabalho coletivo de qualidade. O fato da direção ter sido conduzida pelo Vinicius Toro que trabalha com a comunidade guarani do Jaraguá há alguns anos fez a diferença. Outro diferencial é que o diretor já havia abordado a temática infantil em Fim de Semana Sim, um curta-metragem que foi resultado de uma monografia sobre a direção de atores crianças.
Para’Í além de ser uma obra de ficção, me chamou a atenção por trazer elementos e personagens inspirados na vida real, além da escolha acertada de realizar o encontro da ficção com o documentário, pois traz um tom ainda mais sério, ainda mais palpável. Somado ao uso do silêncio como forma de apresentar tom dramático e enfatizar situações importantes que nós precisaríamos prestar atenção, o longa utiliza os momentos de barulhos para evidenciar ainda mais a distância que existe entre a cidade e a natureza, E, assim percebemos que cada detalhe foi bem pensado para fazer a trama estar conectada ao seu propósito e ser claro na mensagem que passa: as vezes a gente precisa se desligar para notar o outro, notar ao nosso redor e entender que o perigo não é representado pela natureza, mas sim por pessoas e suas intolerâncias, suas ganâncias que não conseguem perceber o ser humano diante dele, que não consegue nem por um minuto pensar no outro.
Pará e Para’Í são resistência e mesmo que tentem atear fogo em tudo para apagar isso, em meio as cinzas ainda residirá e crescerá Para’Í. Enfim, a história se encerra com esse mesmo sentimento, compreendendo que a importância do milho avaxi para Pará é por representar quem ela mesma é: Resistente e diferente.
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Fundadora e Editora-Chefe. Virginiana e defensora da terra.
Um pouco Lorelai demais, não só na quantidade exagerada de café, mas também na capacidade de falar muito em pouco tempo. Whovian apaixonada. É possível me encontrar, entre um salto temporal e outro, em Doomsday ou em qualquer biblioteca ou cinema do mundo.