Rodeo: A mulher na direção da sua própria narrativa

O longa faz parte do Festival Filmelier no Cinema.

Dirigido e roteirizado por Lola Quivoron, Rodeo é uma trama com uma proposta bem diferente do que estamos acostumados a ver. No circuito tradicional temos inúmeros títulos que colocam personagens masculinos em destaque em contextos de adrenalina e violência, como podemos apontar Velozes e Furiosos, por exemplo. Já em Rodeo a obra coloca em evidência Julia (Julie Ledru), uma jovem à margem da sociedade que sobrevive aplicando golpes e tem uma enorme paixão por motos. A obra é uma subversão ao que tradicionalmente sempre vemos no cinema.

E nesse cenário predominantemente masculino que Lola decide contar a historia e fazer uso da docuficção para trazer mais realidade para a tela de cinema. Uma vez que Julie Ledru assim como sua personagem nutre essa paixão por motocicletas. Toda essa realidade nos aproxima ainda mais da trama e da protagonista. Somos apresentadas a algo que já estamos acostumadas a vivenciar a determinação dos nossos gostos e a rejeição caso não atendamos a expectativa da sociedade sobre o que é determinado ser mulher. Julia vive isso constantemente em sua trajetória, em todo momento, precisa mostrar seu valor como se tivesse que provar o tempo todo que pertence aquele lugar. Em um rodeio urbano, o primeiro que ela vai, a diferença é gritante, os homens estão pilotando e as poucas mulheres servem de agitadoras de torcida ou servem como troféu de exibição na garupa da moto.

Julia se destaca por estar no comando de sua moto, apesar de não performar feminilidade, ainda assim diante dos motoqueiros presentes, ela é vista como inferior e fraca. Afinal, a sociedade define como devemos nos portar, o que gostar e como se vestir e independente de seguir ou não essa construção ainda sofremos o impacto dela. Julia tenta ferozmente lutar pelo seu espaço e seu direito de estar ali, e diante da violência que nossa protagonista encontra a sua liberdade. Julia não se assusta com sangue, nem com fraturas expostas, vive de crimes e usa do estereótipo que nos é atrelado enquanto mulheres para aplicar seus golpes. Sobretudo, ela é o que podemos chamar de anti-herói, mas nesse caso é anti-heroína mesmo.

A obra traz inúmeras cenas de ação e mistério para contar uma trama de crime envolvendo uma gangue motociclista, então há diversos momentos em que prendemos a respiração e não tiramos os olhos da tela. Mas, há também momentos de peso dramático que nos trazem de volta a realidade para refletir, Julia apesar de toda violência revela uma capacidade de se sensibilizar pelo outro e isso deixa ainda mais escancarada sua solidão. A vida é trágica para ela, sempre a mercê da rejeição, do descaso e tudo isso revela nela uma extrema vontade de algo muito humano: amar e ser amado. Ter uma família, ter amigos.

E diante de tanta violência que é causada pela vivência com homens e misoginia. Ela encontra em outra mulher, vítima também dessa socialização com homens, um conforto. Alguém que entenda a crueldade do mundo, é aí que de fato impera o drama. As dores que somente mulheres irão entender. Independente se você é mãe e esposa ou se você se arrisca a se aventurar pelo mundo, sempre vai ter enormes empecilhos e pouca liberdade. Então, o escape de toda essa realidade pesada é literalmente a ideia da liberdade que a adrenalina, o ato de se pôr em risco – que é só mais um dia em sua pele – e a moto permitem a ela.

É essa busca de liberdade que faz com que ela entenda Ophelia e o filho – presos em casa e tendo suas vidas controladas pelo criminoso na cadeia – e consiga se conectar a eles, pois ela sempre se sente presa até que pilote sua moto. E é a isso que ela apresenta a Ophelia, a sua visão de liberdade levando eles para andar de moto. Enquanto Ophelia lhe apresenta a oportunidade de se autoproteger – como quando ela entregou um canivete a Julia após ela ter sido atacada – e entende sem ela falar nada toda a violência sentida. Simplesmente porque é algo inerente a toda mulher.

Enfim, a adrenalina, a revolta e o perigo são formas de Julia se colocar no controle de sua própria vida, é como ela se sente viva. Nenhum lugar é seguro para ela e o perigo está a apenas uma distância curta. Então, é no final do filme que entendemos que agora assim, de fato, ela está livre enquanto monta em sua moto e parte eternamente. A realidade bonita de amizade e família que Velozes e Furiosos entregam aos seus personagens, não tinha como dar certo para alguém como Julia em Rodeo. É triste, mas é a realidade nua e crua. O que importa é que no final Julia segue fazendo o que ama fazer: pilotar.

Rodeo é o longa de estreia de Lola Quivoron e foi o vencedor do prêmio Coup de Coeur na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes 2022.

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